Depois de passar um ano e três meses na Alemanha, com a passagem comprada e as malas mais ou menos feitas no meu quarto e sem as minhas melhores amigas intercambistas, que já tinham retornado aos seus países de origem, foi difícil viver meus últimos dias ali, e imaginar que eu seria a próxima estrangeira a ir embora. A última estrangeira. A última sobrevivente. Ir no último dia de aula e vagar por aquela escola foi triste. Me lembrei do primeiro dia, quando eu nao conhecia ninguém e nao sabia falar alemao direito, e vivia pagando mico por que era desajeitada e insegura. E ficava sempre sozinha nos intervalos.
Foi depois, quando apareceu a Ane, da Noruega e a Nazareth dos Estados Unidos, pude me soltar e entender o que eu estava fazendo ali naquele país horrível. Ao compartilhamos nossas angústias de estrangeiras na Alemanha eu pude ver que vinha sendo muito forte, e que mesmo com o choque cultural que eu tive eu tinha que me convencer de que era sortuda por ter a oportunidade de estudar pelo tempo que eu quisesse em um país de primeiro mundo. Bastava eu tentar me convencer disso, que logo vinha uma decepçao na escola, como a primeira prova em que eu tirei zero. Ou por exemplo nao conseguir partcipar da aula, como eu fazia no Brasil. Nao conseguia nem escrever o que eu queria. E nem conseguia ser quem eu era. Como uma pessoa consegue ser ela mesma se ela nao consegue dizer o que quer? Nao consegue nem fazer piadas, e entender as piadas dos outros? Eu me jogava na cama e começava a chorar, eu queria ir embora, estava me sentindo um fracasso. Estudava horas e horas pra uma prova e tirava nota abaixo da média. Eu achava aquilo uma bosta, mas tentava me convencer de que estava tudo lindo: “É Frau Sigrid, pelo menos nao tirou zero desta vez, já melhorou um pouquinho.”
Chegou fevereiro, e com ele o carnaval. Eu nao podia perder essa festa, entao comecei a correr atrás, sem medo de levar um chega-pra-lá de alemao. Perguntei a uma das minhas colegas de escola se ela ia na festa e onde ia ser, se eu podia ir com ela e co. e pronto! Comprei uma fantasia chique e fomos simbora. Elas me conheceram mais, eu conheci pessoas da minha escola que nao conversavam comigo, e conheci amigos de amigos, fui sendo convidada para as próximas festas e fiz tudo o que eu queria fazer, e nao fazia por falta de colegas/amigos. Saia sem parar, um evento atrás do outro, gracas a Deus. E larguei a escola pra lá, pois nao ia ser validado no Brasil, e meu alemao já estava uma beleza. Ia à escola, mas nao estudava em casa e nao fazia os para-casas. Decidi ser feliz e parar de insistir no que nao estava dando certo para minha própria felicidade.
O fim do ano foi se aproximando e minha passagem ja estava comprada. Eu queria ver as pessoas queridas no Brasil novamente, mas nao queria deixar aquele lugar, pois cheguei do zero e tudo o que eu consegui ali, pra mim foi uma vitória. Cada amizade. Cada festa. Cada risada que eu arraquei daquele povo. Cada “eu gosto de você”. E principalmente o que mais doia meu coracao “sentirei sua falta”. Ao ouvir isso me recordava de que a alguns meses, eu acreditava que ninguém se importaria com a minha ausência. Que a alemanha seria uma passagem vazia. Acontecimentos sem importancia e cinzas que nao iriam interessar a ninguém. E que eu nao iria querer contar a ninguém: “Ninguém gostava de mim, nao tinha amigos e era burra na escola”. Mas acabou aquilo, por isso eu me sentia ótima e horrivel.
Na ultima semana eu nao parava de chorar. Minhas amigas estrangeiras, uma a uma indo embora para seus países de origem. Elas que estavam ali, do meu lado desde o começo, guerrilhando comigo, me deixaram pra traz com lágrimas no olhos.
Eu olhava aquela mala no canto do meu quarto e danava a chorar, punha cada camisa que comprara naquele pais pensando nas ocasioes em que as usei. Nas viajens que eu as adquiri. Um sentimento de divórcio mesmo. Estava deixando o meu amado segundo país. Meus amigos diziam que eu deveria ficar, porque eu estava sofrendo, eu queria ficar.
Mas tudo na sua vida tem um tempo, e o tempo que eu vivi lá foi só de gastar dinheiro em gandaia, e voltar bêbada de madrugada pra casa fedendo a cigarro e depois rir com meus colegas da "Sigrid Bêbada". Fazer uma faculdade la ia ser muito difícil para mim, eu só queria aproveitar, e o meu tempo tinha acabado. Tinha que voltar pra vida séria no Brasil, aqui eu nao tinha futuro. Mas vai fazer um alemao entender isso. Eles já falam alemao, é tudo mais fácil.
Já no aeroporto, estava anestesiada por dentro. Paralizada. Estava fora de mim. Mas ao decolar cai na real. Só conseguia agradecer a Deus em silêncio: "Obrigada por ter me dado essa oportunidade tao linda. Por ter tentado enfiar juízo na minha cabeça, desculpa mas só foi tao legal porque eu perdi o juízo. Experiências e sabedoria para a vida inteira, aprendi a ser humilde e individualista. Obrigado por ter me protegido. Obrigada por tudo. Aufwiedersehen Deutschland!"