sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Intercâmbio: agonias e felicidades de um ano.

Depois de passar um ano e três meses na Alemanha, com a passagem comprada e as malas mais ou menos feitas no meu quarto e sem as minhas melhores amigas intercambistas, que já tinham retornado aos seus países de origem, foi difícil viver meus últimos dias ali, e imaginar que eu seria a próxima estrangeira a ir embora. A última estrangeira. A última sobrevivente. Ir no último dia de aula e vagar por aquela escola foi triste. Me lembrei do primeiro dia, quando eu nao conhecia ninguém e nao sabia falar alemao direito, e vivia pagando mico por que era desajeitada e insegura. E ficava sempre sozinha nos intervalos.
 Foi depois, quando apareceu a Ane, da Noruega e a Nazareth dos Estados Unidos,  pude me soltar e entender o que eu estava fazendo ali naquele país horrível. Ao compartilhamos nossas angústias de estrangeiras na Alemanha eu pude ver que vinha sendo muito forte, e que mesmo com o choque cultural que eu tive eu tinha que me convencer de que era sortuda por ter a oportunidade de estudar pelo tempo que eu quisesse em um país de primeiro mundo. Bastava eu tentar me convencer disso, que logo vinha uma decepçao na escola, como a primeira prova em que eu tirei zero. Ou por exemplo nao conseguir partcipar da aula, como eu fazia no Brasil. Nao conseguia nem escrever  o que eu queria. E nem conseguia ser quem eu era. Como uma pessoa consegue ser ela mesma se ela nao consegue dizer o que quer?  Nao consegue nem fazer piadas, e entender as piadas dos outros? Eu me jogava na cama e começava a chorar, eu queria ir embora, estava me sentindo um fracasso. Estudava horas e horas pra uma prova e tirava nota abaixo da média. Eu achava aquilo uma bosta, mas tentava me convencer de que estava tudo lindo: “É Frau Sigrid, pelo menos nao tirou zero desta vez, já melhorou um pouquinho.”



 
Apresentando Nazareth à caipirinha! :) 


 Com o tempo eu fui percebendo que meu alemao foi melhorando, e que eu ja conseguia me comunicar mais ou menos, as notas continuavam ruins, mas havia uma coisa que me motivava na escola: a aula de francês. Eu era a segunda melhor aluna e minhas notas eram muito boas. Eu conseguia ler os textos e memorizar os termos com mais facilidade que os outros. As notas em biologia davam pro gasto, o que me deu muito orgulho, pois mesmo em português é uma materia bem dificil. Eu olhava aquela prova cheia de correcoes a tinta vermelha e com nota na média, melhor que de alguns alunos alemaes, e me dava tanta felicidade. “Pois nao sou um fracasso, como pensava...” -dizia pra mim mesma. Mas a minha vida social.... nao existia. Eu só tinha meu pai. As pessoas que conversava mais ou menos na escola, saiam e nao me chamavam. Eu pensava que eram minhas amigas, mas descobri que na Alemanha amizade nao é facil assim. Se tem um povo na face da terra que sabe a diferenca entre colega e amigo, sao os alemaes. E eu era colega, nao amiga. As amigas que eu tinha eram estrangeiras e nao podiam me mostrar o que eu queria: A vida dos jovens na alemanha. Eu queria viver a Alemanha, ir nas festas, entrar nesse universo de todo jeito, mas ainda me sentia excluída. Eu tinha que fazer alguma coisa, porque chorar debaixo das cobertas já  nao adiantava mais.
Chegou fevereiro, e com ele o carnaval. Eu nao podia perder essa festa, entao comecei a correr atrás, sem medo de levar um chega-pra-lá de alemao. Perguntei a uma das minhas colegas de escola se ela ia na festa e onde ia ser, se eu podia ir com ela e co. e pronto! Comprei uma fantasia chique e fomos simbora. Elas me conheceram mais, eu conheci pessoas da minha escola que nao conversavam comigo, e conheci amigos de amigos, fui sendo convidada para as próximas festas e fiz tudo o que eu queria fazer, e nao fazia por falta de colegas/amigos. Saia sem parar, um evento atrás do outro, gracas a Deus. E larguei a escola pra lá, pois nao ia ser validado no Brasil, e meu alemao já estava uma beleza. Ia à escola, mas nao estudava em casa e  nao fazia os para-casas. Decidi ser feliz e parar de insistir no que nao estava dando certo para minha própria felicidade.
       

O fim do ano foi se aproximando e minha passagem ja estava comprada. Eu queria ver as pessoas queridas no Brasil novamente, mas nao queria deixar aquele lugar, pois cheguei do zero e tudo o que eu consegui ali, pra mim foi uma vitória. Cada amizade. Cada festa. Cada risada que eu arraquei daquele povo. Cada “eu gosto de você”. E principalmente o que mais doia meu coracao “sentirei sua falta”. Ao ouvir isso me recordava de que  a alguns meses, eu acreditava que ninguém se importaria com a minha ausência. Que a alemanha seria uma passagem vazia. Acontecimentos sem importancia e cinzas que nao iriam interessar a ninguém. E que eu nao iria querer contar a ninguém: “Ninguém gostava de mim, nao tinha amigos e era burra na escola”. Mas acabou aquilo, por isso eu me sentia ótima e horrivel.



Na ultima semana eu nao parava de chorar. Minhas amigas estrangeiras, uma a uma indo embora para seus países de origem. Elas que estavam ali, do meu lado desde o começo, guerrilhando comigo, me deixaram pra traz com lágrimas no olhos. 
Eu olhava aquela mala no canto do meu quarto e danava a chorar, punha cada camisa que comprara naquele pais pensando nas ocasioes em que as usei. Nas viajens que eu as adquiri. Um sentimento de divórcio mesmo. Estava deixando o meu amado segundo  país. Meus amigos diziam que eu deveria ficar, porque eu estava sofrendo, eu queria ficar. 
Mas tudo na sua vida tem um tempo, e o tempo que eu vivi lá foi só de gastar dinheiro em gandaia, e voltar bêbada de madrugada pra casa fedendo a cigarro e depois rir com meus colegas da "Sigrid Bêbada". Fazer uma faculdade la ia ser muito difícil para mim, eu só queria aproveitar, e o meu tempo tinha acabado. Tinha que voltar pra vida séria no Brasil, aqui eu nao tinha futuro. Mas vai fazer um alemao entender isso. Eles já falam alemao, é tudo mais fácil.
Já no aeroporto, estava anestesiada por dentro. Paralizada. Estava fora de mim. Mas ao decolar cai na real. Só conseguia agradecer a Deus em silêncio: "Obrigada por ter me dado essa oportunidade tao linda. Por ter tentado enfiar juízo na minha cabeça, desculpa mas só foi tao legal porque eu perdi o juízo. Experiências e sabedoria para a vida inteira, aprendi a ser humilde e individualista. Obrigado por ter me protegido.  Obrigada por tudo. Aufwiedersehen Deutschland!" 

sábado, 11 de fevereiro de 2012

As Maçãs Alemãs

E passou a primavera, o verao, o outono, e chega o inverno na Alemanha... No meu tédio matinal ligo a televisao, é sábado de manha. Pulo os canais de filmes de luta e de desenho, até chegar em um canal do estilo globo rural. Eu adoro o Globo Rural =). O tema era o processo de producao da maças na Alemanha. Eu fiquei impressionada  com o carinho e amor   com o qual as maças sao tratadas. Os galho sao cortados à mao, as maças sao colhidas à mao, o controle de pragas é biológico, e o processo de separacao é  feito por com uma tecnologia que inclui câmeras, e afins. Se a maça tiver uma manchinha, ela vira suco. As frutas perfeitas sao separadas por cores, lavadas e colocadas em caixinhas, uma viadagem só. 
O que me envergonhou, foi o fato de que essas maças mimadinhas, custam o mesmo preço das nossas maças mutantes, com manchinhas, cheias de inseticida e com gosto de isopor. Me senti um porco que come lavagem. Triste saber que um brasileiro quando vai ao horti-fruti, tem que escolher, entre os produtos, qual está menos estragado, e menos mutante.... Enquanto isso, um alemao vai à feira e procura defeitos no fruto, olha de onde vem, o  preço, se é Bio*, data da colheita e blablabla, e pra alguns tudo isso nao basta, e optam por uma alimentacao proveniente de sua própria horta.
                          http://empadinhafrita.blogspot.com
Isso me fez notar o valor das feirinhas de pequenos produtores do Brasil, de um bom produto cultivado em casa e das frutas selvagens também. Sacolao pra mim, agora,  só em casos extremos...É necessário aumentar nosso padrao de exigência, pois somente assim o mercado aumentará o padrao de qualidade. A desculpa é sempre os altos custos de produçao, pragas muito agressivas, tempo instável, aquecimento global, Dilma, Barack Obama.... Essa ladainha nao me interessa, nós temos recursos para contornar esses problemas, e se nao temos ainda, vamos estudar as solucoes!  Entao nao tem outra saída, ou o mercado que se vire pra botar no meu prato o produto que eu mereço, ou eu nao pago. 






*Bio= Produto orgânico.